quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

When I had a dream

Once I had a dream
And I went all I could be
When the stars fell over me
Was the greatest dream.

When I owned this dream
All the path was clear to me
When two become one destiny
I knew this was my dream

When I builded up this dream
I knew you will be with me
And my eyes saw all this dream
Become reality

And now all the walls
Falls up in disgrace
And I don't know if I'm awake

I bleed to believe
You ran from this place
In the darkness I scream your name

Once upon a dream
I knew it has a price to pay
Now you're taking all from me
Taking all this dream

When this dream started to grow
Who knew it would be so fast?
You are gone and I'm still here
Waiting for my dream

When I had this dream
Life was easer to live
But was I really living
Or was just my dream?

I woke up for you to live
My dream

[Fernando M. Minighiti] [14.12.2016] [16:51]




segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Pássaro (No. 2)

Voou por trita e poucos anos,
andorinha selvagem,
ave de caça,
pássaro imponente.
para longe, acima das nuvens
terra de sóis eternos
pois sois
desbravador tupiniquim
e lusitano e ítalo.
autor de peças e livros
roteirista de vidas.
detém o poder em tuas asas
cujo bater provém da luz
de boa aventurança
que torna em chuva ácida
corrói meus poros
e lembra-me de minha pequenez
tão sólida e tão tangível
quando não passas
de nada além que não
um ponto difuso no céu -
presságio da mortalidade
e da vergonha
daqueles que não detém asas.

Que voes, pois a chuva que trazes consigo
recorda-me de minha mortalidade,
por conseguinte, que ainda vivo.

[Fernando M. Minighiti][14.11.2016][01:17]


segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Cançãozinha de Halloween ou A Triste História do Pobre Menino Apaixonado

O pobre menino apaixonado
Era só alegria
Pois desde o dia que o beijara
Só para ele vivia

E no inverno ele saia às ruas
A chuva e o frio não sentia
Pois o sol vivia em seu peito
E por dentro era tão quente que ardia

Mal sabia o pobre menino apaixonado
Que era aquele o fatídico dia
O dia que seria deixado de lado
O dia em que para a vida acordaria

Voltou para casa o tolo menino
Mais cedo do que pretendia
E o frio e a chuva que sempre tomara
Era só agora era que sentia

E só agora o pobre menino apaixonado
De chuva e frio o dente batia
O amor que antes trouxe o calor
Hoje - que triste! - lhe deu uma pneumonia!

[Fernando M. Minighiti] [31.10.16] [03:25]


domingo, 30 de outubro de 2016

Conto Morto

Ele poderia ficar naquela floresta para sempre. A respiração ofegante do homicídio dera espaço a uma calmaria boa. O sangue, que não era seu, já secara na pele - então ele já não precisava mais senti-lo escorrer. Os olhos fechados, podia sentir cada organismo vivo naquele bosque gigantesco. O vento que fustigava, de leve, as folhas, carregando seus aromas pelo ar. As formigas que voltavam abastecidas, em perfeita ordem, para uma sociedade livre das mazelas humanas. Os cervos que, de longe,  os observavam sorrateiramente. As aves que vislumbravam as clareiras e espalhavam maus presságios aos mundos. Presságios provavelmente escutados por algum deus, por alguma entidade oculta - tantos sinônimos para as reações.

Lentamente, abriu os olhos. O sol, ainda que não estivesse visível, dava os primeiros sinais de que iria se levantar em breve. Uma brisa gelada acariciou seu corpo, e ele sentiu que era o momento de levanta-se. Não sabia quanto tempo havia passado desde que recostara-se naquela árvore milenar. A julgar pelo corpo, poderia ter se passado apenas alguns poucos minutos, mas a verdade era que não sabia ao certo. Mas quem se importa com a verdade, ele pensava; a verdade, essa amiga traiçoeira, possuidora de tantas faces; dissimulada, incapaz de apresentar-se da mesma forma duas vezes. A verdade era o pulsar do sangue em suas têmporas, e nada mais. O resto é duvidável, corruptível.

Regressou à clareira e encontrou os cadáveres - pelo menos seis deles, com suas saias de renda vastas ou calças de boca larga envoltas por botinas de cano bem alto. A podridão e a putrefação já haviam se instaurado ali, uma que vez que de cadáveres plácidos não tinham mais nada, mas eram, sim, banquetes fartos e luxuosos para vermes. Não passavam de memórias.

Sem cerimônia, despiu um dos corpos e cobriu a própria nudez. Haviam coisas na vida muito piores do que vestir os trajes de um morto devorado por vermes. Ademais, lembrava-se o tempo todo que não deveria confiar em tudo o que sues olhos viam - uma vez que a verdade poderia ser questionável, havia a possibilidade de tudo aquilo nem mesmo ser real. Não que fizesse alguma diferença.

Uma vez vestido, contornou a fogueira, há muito apagada, que ainda estava ali, como um fóssil preservado pelo tempo. Adentrou novamente na floresta e, como que sorvendo cada milímetro daquele local, caminhou vagarosamente. Começou a perceber, então, que enxergava aquela floresta como um único e gigantesco organismo vivo. Se pudesse apurar a audição, poderia ouvir não o vento, mas sua respiração - lenta, profunda. Atravessou um rio gelado que a cortava ao meio, e pode sentir o sangue que nela fluía, os batimentos de seu coração selvagem e livre. Nada é mais livre que uma floresta. Ela cresce descontroladamente, se embrenha em lugares inimagináveis. Cria suas regras, e não há humano vivo que as conheça. Ali tudo está em perfeita harmonia, tão milimetricamente equiparado numa espécie de balança cósmica que ele podia sentir essa precisão natural enquanto a penetrava mais fundo. E, ao passo que era possuidora de tamanha simetria, ocultava segredos para além da imaginação de qualquer mortal - e ele também podia pressentir tais hostilidades. Quantas almas aquele lugar abrigava? Quantos perderam suas mentes ao adentrar a floresta? O que ela escondia a cada moita, a cada depressão, a cada teia de aranha esmeradamente tecida? Como algo tão selvagem poderia ser tão belo? Como a liberdade poderia ser tão tentadora, "embriagável"?

Sem respostas, reencontrou a cabana. A hera dominara as paredes, e as copas das árvores mais próximas se curvaram para criar uma espécie de redoma. A cabana era, agora, parte da floresta, apenas mais uma molécula, um ínfimo átomo desse assombroso organismo. Avançou pela clareira e reparou que o sol ainda não nascera por completo. A sombra de sua luz invadia o mundo, mas ele sequer despontara ainda. Voltou seus olhos para a construção e, sem hesitar - conhecia aquele lugar como a palma de sua mão - entrou na cabana.

À sua direita, a mesma cama. Nela, algumas ferramentas - um grande e pesado martelo, uma espingarda de eras passadas, um pequeno tonel de ácido. Aparentemente, o clima hostil abriu alguns buracos no telhado, uma vez que diversas folhas e pedaços de tronco dividiam o espaço com a cama. Em um dos cantos, um forno à lenha decrépito e, ao seu lado, uma mesa de madeira rústica que exibia uma cesta de vime cuidadosamente colocada com diversas frutas, agora tão putrefatas quanto os cadáveres da roupa que vestia.

Foi apenas quando percebeu que nada ali lhe seria de serventia novamente que ele reparou em algo que jamais reparara em todos aqueles anos. No lado oposto ao da cama, na parede oposta à da porta em ruínas, havia outra porta. Só mais uma. Muito provavelmente uma porta dos fundos. Mas o fato que repassava em sua mente, como um disco riscado, era que jamais reparara naquela porta. Assim, foi até a cama e agarrou o pequeno, porém mortal tonel de H2So4 e rumou para a porta desconhecida. De longe, era o elemento mais bem cuidado daquela cabana, quase como se não pertencesse àquele lugar. 

Uma vez destrancada, entrou no novo aposento, que não compreendia quaisquer elementos. Livre de mobílias, vazio como a mente dele, o quarto era gelado como o 9º círculo do Inferno. Em meio à condensação de sua respiração, caminhou lentamente pelo aposento que - salvo pela temperatura que se fazia presente em sua pele e pelo ar que, depois de expelido, dançava à frente de seus olhos -, não apresentava indícios nenhum de tão baixa temperatura. Mas ainda que o clima ali fosse tão inóspito, muito provavelmente fora o lar de alguém. Foi a esta conclusão que ele chegou quando, enquanto caminhava vagarosamente e encolhia o corpo robusto, encontrou algumas folhas perdidas no chão de madeira. Foi apenas quando se aproximou delas que percebeu que eram cartas e, ainda que várias, nenhuma realmente finalizada.


"Meu amor,

Jamais pediu permissão para invadir de tal maneira minha vida - mas ainda que o fizesses, estou seguro que jamais o negaria. Há muito transformaste o frio que outrora habitava meu coração em uma brisa de verão eterna. O mundo nunca me pareceu uma lugar mais feliz, e acredito que até o sol, que creio jamais ter conhecido antes, alegrou-se em saber que poderia aquecer-me também. 

Sinto que pela primeira vez deixei de sobreviver e passei a conhecer a sensação de se viver. De realmente viver. Ontem, ao deitar entre as folhas secas na floresta, pude sentir seu próprio suspiro, vindo da raiz mais profunda, alcançando-me como uma marola, sentindo minha alegria e alegrando-se mutuamente. Nunca imaginei que a floresta também poderia..."


"Meu amor,

e minha perdição. Há quanto tempo tenho estado preso aqui? Quanto tempo mais hei de sobreviver? Há muito tempo aqueceu meu coação com aveludado calor, mas agora sinto que o inverno jamais terá um fim. Não existem mais nuvens no meu céu, que consiste em uma imensa mancha branca, de moco que brinco de desvendar as formas da minha respiração condensada - por mais que tente, só vejo ali a morte. O brilho que outrora me trouxeste há muito de extinguiu, e sinto como se a floresta houvesse morrido. Então, pergunto-te: quanto tempo mais demorarei para seguir o mesmo destino?

Como, diga-me, haveria de esquecer-te agora que tudo é tão inóspito? Como não lembrar da primavera quando o inverno chega? Como não nos lembrar da finitude quando a imortalidade lança sua maldição sobre nós? Como haveria de curar meu coração da tua doença, amor, se o roubaste de mim?

Às vezes acho que morrerei sozinho neste lugar. Às vezes poderia jurar que o Anjo da Morte, ao vir para beijar-me, teria suas feições puras, olimpianas, amor - como de fato pensei ter avistado, noite passada, na floresta, quando..."


Diversas outras cartas, todas abruptamente finalizadas, estavam espalhadas pelo assoalho, como quem houvesse passado por ali e não reparara que as havia deixado cair. Em algumas, ele reparou, a tinta manchada e ainda úmida. Mas se o desaventurado escritor ainda estivesse por perto, não haveria muito mais o que ele pudesse fazer. Se o frio não matara ao tolo, ele pensava, então o mataria. Mantendo tal pensamento em mente, deixou as cartas que lia pousarem novamente a seus lugares de direito, borrando mais uma vez a tinta, de leve, quando elas se tocara no ar, no meio da descida. Voltou, então, pela porta a que entrou.

A cabana, entretanto, não era mais a mesma. A cama, o forno, a mesa, a cesta e as frutas haviam desaparecido. Até a putrefação havia sido erradicada daquele local, e não apenas da cabana, mas dos corpos: ali, no meio do aposento agora vazio, jaziam os seis cadáveres da clareira. Os vermes e a carne em decomposição, entretanto, não existiam mais. De fato, salvo pelo fato que estavam mortos, pareciam mais vivos do que nunca. Deitados ali, lado a lado, poderiam apenas estarem dormindo. De fato, ele pode escutar uma respiração, ainda que lenta e profunda, debochada, e não soube dizer foi proveniente da floresta ou dos mortos.

O cadáver o qual havia roubado a roupa repousava nu ao lado de seus companheiros. A barba rala por fazer e o peito largo, branco como uma manhã de inverno. Os braços fortes terminavam em mãos que repousavam na barriga. O membro flácido, as coxas grossas e as pernas que não lhe davam muita altura.

Ele poderia correr. Desesperar-se. Orar para a floresta deixá-lo sair dali ainda são. Mas apenas observou as presas abatidas. Aquilo era real? Não apenas os cadáveres, mas as cartas, o frio que morava ao lado, a floresta. O que era palpável também poderia ser corruptível, falho? Seria seu coração confiável? Teria ao menos um, ele pensava. Mas se não tivesse, o que seria aquela pressão nas têmporas, a única coisa real?

Despiu-se novamente. Dessa vez não sentiu frio, ou a brisa da floresta, ou a pulsação da sua vitalidade selvagem. O sangue que não era seu e que outrora secara em seu corpo, passou a escorrer novamente, mais vívido e quente do que nunca, pingando no assoalho, enquanto ele, lentamente, vestia o cadáver, que mesmo nu era cheio de dignidade morta.

Ao finalizar, ele repousou o corpo cuidadosamente ao lado de seus companheiros e, agora ele mesmo nu, os observou por certo tempo. Vazio como estava, de corpo e alma, também não foi capaz de mensurar quanto tempo ficara ali, a admirá-los. Escutou novamente o sussurro que vinha da floresta, e teve certeza que ela dizia que só havia um único morto ali, naquela cabana que agora não passava de um mausoléu.

Nada dali tinha mais serventia a ele, estava bem seguro disso. Sendo assim, reabriu a porta em ruínas para voltar à floresta, quando caiu. Não havia mais floresta, e ele não pode perceber tal fato a tempo de evitar o primeiro passo, de modo que escorregou para o infinito. Era uma queda vertiginosa no escuro, e enquanto seu corpo rolava no nada, podia entrever a luz da cabana ficando cada vez mais para o alto. Foi incapaz de gritar. De fato, surpreendera-se, sim, mas entregou o quase nada que havia de si mesmo à queda. Pode quase que desfrutar da sensação de perdição iminente. O vento fustigava seu corpo, mais feroz do que seria capaz de imaginar, e ele sentia que aos poucos desaparecia.

Então, tão súbito como começou, a queda chegou ao fim. Tudo era escuridão e vazio, de modo que ele não pode ver que o chão se aproximava. De fato, não chegou nem a senti-lo. A queda simplesmente resolvera cessar, e assim foi.

Trôpego, sem saber onde se encontrava - mas nem por isso inquieto - levantou-se. Olhou para o alto e pode distinguir na imensidão, minúscula, a cabana da qual caíra. Pensou ter avistado pares de olhos observando-o pela janela, mas eles já não estavam mais ali quando piscou.

Tocou seu corpo. Ainda estava nu e aparentemente intacto. À altura do peito, sentiu um emaranhado de pelos e descobriu que era sua barba, agora enorme, como que se não a fizesse por anos a fio. E, de fato, todo seu corpo estava enrugado e envelhecido. Caíra por anos ou os anos explodiram dentro si, em segundos? Não sabia responder. E apesar de toda a idade do seu corpo, sua mente continuava a indagar-se o que indagava momentos antes da queda, quando ainda era vigoroso e jovem: afinal, o que ele soube responder em toda a vida?

E era nisso que ele pensava quando reparou que, à sua frente, no meio da escuridão, do vazio e do nada, havia uma porta - sem parede ou batente. Ela apenas existia. E só sabia que havia ali uma porta pelo quase indistinto reflexo que a luzinha da cabana, quilômetros acima, fazia na maçaneta lustrosa.

Com os passos falhos de um idoso, a coluna curvada e dolorida, caminhou até a porta. Abriu-a.

Do lado de fora, a floresta que estava bem acostumado a viver. Ao menos era isso que acreditava ver - não se dava mais ao luxo de se questionar se era a mesma ou não, ou de fazer quaisquer perguntas das quais sabia que não teria respostas. Apenas acreditou que ali era, de fato, a mesma floresta, e isso bastou.

Atravessou o batente da porta como a um umbral e pode sentir novamente aquele organismo, mais vívido do que nunca. Era capaz de jurar que o próprio solo produzia ondas leves - inspirando, expirando. Inspirando, expirando. 

Girou o corpo para trás, sentindo o próprio peso acabando com seus joelhos. Não havia porta alguma, quiçá uma cabana. No chão, uma coroa enferrujada e um cetro partido ao meio.

Ajoelhou-se. Olhou para o céu. O sol ainda não nascera.

[Fernando M. Minighit][30.10.2016][01:24]



quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Presente (uma pequena canção melosa de m***)

Essa agonia que não me deixa escrever
é bem pior do que você pode entender.
Palavras me escapam como um dia você fez.
E não há nada que eu possa fazer mais uma vez.

E se esse tormento tivesse um nome,
seria aquele que só tu responde.
Quanto mais tento apagar, mas a vida me puxa pra trás.
E assim é que me entrego, gentilmente.

E quando a noite cai eu tento reviver.
Os sonhos voltam e provam daquilo que nunca pude ser.
E quado o sol se vai, eu juro, eu posso te escutar.
Suave, assim como a mais negra canção de ninar.

Quando eu paro e olho pra trás,
eu sei que não preciso me esforçar:
a vida se encarrega de, outra vez, retroceder
Voando pelo passado agridoce, sem perceber.

Então se já não posso mais viver
por que continuo, então, o sentir? 
Se não sei mais pra onde ir
porque ainda persisto em ti?
Se a tantos anos atrás já me rendi?

E quando a noite cair não volte mais aqui,
não importa o quanto eu reze pra ti de novo existir.
A tua perfeição se fez em minha solidão.
A tua ausência é o que me faz inteiro e o que me leva ao chão.

[Fernando Minighiti][20.10.2016][02:00]


sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Poesia crua

PWV.

Sinto a poesia morrer
lenta, profundamente.
Tem sido um eterno funeral.

Tudo o que era círculo, é reta.
O que era abstrato, concreto.
Palavra crua. Aprendizado.

E nessa alma esfolada,
na angústia que respira,
o recital do que há no sangue:

Que é o que mais me faz falta,
aquela reticência enorme,
contentamento no descontente não saber.

O cravo e a canela.
O amor e a cautela.
O sol e a janela.

Fernando Minighiti [07.10.2016][02:38]


quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Fluido

Transforma-se o monstro em herói
Das mentiras fez-se a verdade
Alheia, a mim negada, tampouco desejada.
Aplausos.

Ninguém jamais verá
A beleza daquela monstruosidade que vi,
Que ainda permanece escondida
Em olhos cor de âmbar e dissimulados.

Faz do sol, lua
Da perdição, a salvação
Das centenas, um – centenas!
És, de fato, homem?

Qual a medida exata de perversidade
Para que possa também eu sorrir?
Hei de ter passado do ponto!
Dela só provo o amargor da injustiça.

Quantos rios amargos e injustos
Fizeste derramar dolorosamente
Em frontes dantes inocentes
Para inundar o vil cálice da vitória tua?

Quantos corações houve de perfurar
Houve de roubar o sangue
Para que tivesses algo
Que circulasse em tuas veias?

Quantos sorrisos houve de furtar
Na calada da noite fria
Em colchões de plástico
Para que sorrisses tu?

Ah, por Deus, só o Demônio sabe
O quanto eu não daria
Para roubar-lhe o que nunca teve por direito.
Quebrar-te taça. Quebrar-te os dentes. Quebrar-te o coração.

[Fernando M. Minighiti][22.09.2016][01:48]




segunda-feira, 4 de julho de 2016

Elegia aos poemas mortos

É contraditória essa alegria
Que enche o peito de tristeza
Numa calma assustadora,
Demasiadamente cansada.

Todo o poema morto,
As palavras assassinadas
(Que de alguma forma não se vão)
De uma mágoa antiga,

Vem e vai como a maré,
Quebrando na orla agridoce.
Assombram-me durante o dia,
Abraçam-me ao nascer da noite

Num afago tranquilo,
Num carinho calmo.
Tudo aquilo que me assassina
É tudo aquilo que me mantém a salvo.

[Fernando M. Minighiti][28.06.2016][02:08]


quarta-feira, 25 de maio de 2016

Amor

Ele caminhava trôpego,
de amor e bebida embriagado.
E sua visão era difusa
como a de bebê recém-nascido

Esgueirava-se pelos cantos da vida,
pois mal não haveria de fazer.
E sentia na carne o mal estar
de tanto sentir e de tanto doar.

Como bêbado que exagera e,
de quatro, como animal, põe-se a clamar
por mais uma dose do único amor que haveria de vingar,
o líquido, daqueles de mesa de bar.

E chora por querer mais
daquilo que já é fonte de asco.
E bota para dentro mais uma dose
do que o faz vivo e do que o faz morto.

E vê em seus fluídos,
brutalmente jorrados do próprio estômago,
o filhote morto do que alimentou,
ainda nem totalmente digerido.

Acaricia suas dores e cala seu pranto.
Cuida do amor derramado,
como só o bêbado sabe fazer
na desgraça do próprio vômito.

[Fernando M. Minighiti][25/05/2016][03:13]


domingo, 24 de abril de 2016

Diurno

Eu vi um menino chorando
ao pé da estrada.
Suas lágrimas rolavam profusas,
entretanto sua fronte era seca.
Eu vi suas histórias cantadas
em cada gota de água
que alimentava o rio da estrada
que ele ainda não trilhou.

Eu vi uma velha alma
no corpo do jovem.
O crescer era o ranger do espírito
que jamais renovava.
A carne era a liberdade e a prisão.
D'águas passadas, nascia o futuro -
talvez regavam o presente
que ele nunca viveu.

E eu senti, sob meus pés cansados,
o fim do caminho.
Provei da água do rio,
e nela, engoli meu choro.
E vi que o belo da vida
não vale uma lágrima derramada.
E, além, o rio, a estrada virgem,
e o sol que nunca provei.

[Fernando M. Minighiti][24.04.2016][06:15]




sexta-feira, 15 de abril de 2016

A lua, o coelho, o poeta

Há pouco tempo, menos de um ciclo lunar atrás, algo engraçado aconteceu. Despi minha roupa, aconcheguei meu cachorro em sua caminha. Fechei a porta do quarto e apaguei as luzes. Era madrugada, precisava dormir. Foi só quando comecei a relaxar na cama que reparei em algo diferente, pertencente àquela noite: meu quarto não estava escuro, como deveria. De fato, vários objetos projetavam sombras... no meio da madrugada.
Revirei-me na cama, e vi minha janela. E, nela, uma lua cheia soberba. Não era qualquer lua cheia. De alguma forma, era a minha lua cheia - ela apontava para a minha cama como que diretamente e deixava meu quarto iluminado em meio a noite. 
Aquilo nunca acontecera. Não com tal intensidade. Talvez por isso permiti-me sair da cama e observá-la. Ou talvez uma criança inocente despertara de mãos dadas com o desejo de encontrar São Jorge na lua. O que ele fazia mesmo? Sim, matava um dragão.
Procurei o coelho, também. Não me lembro do quê acontecia quando uma criança achava o coelho na lua, qual a sua boa-aventurança. Mas me lembro de que as crianças procuravam o coelho, e cá estava eu, um homem à beira dos 22, ainda à procura.
Não o achei. Nunca o achei, na verdade., Não sei se a culpa é dos meus olhos deficientes, se o coelho fugiu antes que eu tivesse tempo de encontrá-lo, ou se simplesmente é algo que não seja para mim.Talvez seja uma lição empregada desde criança, a fim de ensinar-me a viver em ausência, em busca de outras fontes. Como a própria lua que estava ali a rasgar a escuridão, tão preciosa para meu sono - outra ausência.
Ou então, e tenciono a esta divagação, nunca o encontrei porque ele é tão negro quanto a própria lua.
E foi então que dei-me conta do motivo pelo qual este astro frio sempre foi a mãe dos sonhadores, a protetora dos poetas. 
Ela, por si só, é fria, inóspita. Não faz-se vista, não reluz. Precisa encarar o Sol, em toda sua agressão, precisa absorver aquilo que ninguém mas consegue absorver, para que possa nos banhar com sua beleza prateada. Ela não estava lá, no meu quarto, à toa, por estar, despretensiosamente. Ela estava enxergando algo que não podia enxergar, traduzindo-me em sua claridade leitosa.
Quem mais realiza tal proeza, quem mais se arrisca ao ponto de queimar a pele para doar a alma, que não o poeta? Assim como a lua encara o sol para nos dar sua luz, o poeta remexe em tudo aqui que os humanos renegam, e sofre. Sofre com calor das verdades irrefutáveis e silenciosas. Entende tudo aquilo que ninguém mais entende.
E, tão suave quanto a luz do luar, traduz tudo aquilo que viu com aquela beleza que só a tristeza possui. 
Talvez seja essa a magnum opus da lua. Mais do que marés, horóscopos, superstições, a morada de São Jorge e brincadeiras de crianças, talvez ela esteja lá, flutuando soberba no firmamento, para nos lembrar da beleza do segundo lugar. Para nos dizer "calma, respire. Pense melhor". 
Alguns dias depois, a lua já não estava mais cheia, e sua órbita já não cruzava minha janela, de modo que a escuridão habitual voltou a reinar nas noites, quando ia dormir. E, numa dessas noites, sonhei com um eu jovem, no meu quarto atual, brincando com um coelho tão negro quanto a lua e, por isso mesmo, belíssimo. E, nesse momento, eu percebi o porquê jamais havia encontrado o coelho na lua na primavera da minha infância. Desde então, eu soube que meu quarto jamais seria tão escuro novamente.

[Fernando M. Minighiti][15/04/2016][22:52]



terça-feira, 15 de março de 2016

O construtor de pontes

O poeta é o único homem
Que transita entre opostos
Capaz de entregar-se

Do amor e da perversão,
é conhecedor da semente - 
guarda o fruto aos mortais.

É um caçador de palavras brutas
que cria pontes entre o divino e o profano
onde repousa o mundo inteiro. 

[Fernando M. Minighiti][15.03.2016][01:11]


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Soneto para uma criança sonhadora

Não chores, amigo.
Não vês que a chuva nunca parou de cair?
Que o silêncio contido sempre serás teu abrigo?
Nada resta para ti aqui, a não ser partir.

A brisa que ontem o confortou
é o vento que o faz desabar.
Junte os cacos. Agora que tudo acabou,
reconstrua teu inóspito lar.

Chama de amigo aquele que amou
- a chuva que molhou até o ossos -
Beija sua testa antes do adeus .

Chama de passado aquilo que não terminou.
Mate a criança-sonho, não feche seus olhos:
Liberdade e angústia de quem não conhece Deus.

[Fernando M. Minighiti][25.02.2016][16:20]


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Águia de sangue

Veja, as cortinas subiram.
Lá vem o amor.
Parece meio tímido,
como quem não quer nada.
Como ator que não sabe o texto
mas que continua no palco.

E sob o holofote da sua luz hipnótica
nós somos o foco, não ele.
Assim vamos perder a hora,
ela se torna um mero detalhe.
E sua luz brilha ao ponto de cegar, de apagar.

Pronto. Apagou-se.
Perdemos a hora
e o prumo. O sentido. O orgulho.
E tudo mais o que o amor quis -
esse bicho egoísta que não sabe ouvir não.
Não, senhor!

Sua divisão é indivisível.
Tem para si o amor que é do outro,
mas que apenas a ele pertence.
Por mais que sozinho não sobreviva
é tudo dele, mesmo que ainda dependente.

Não, não entendas. Não tentes.
Toma teu rumo, segue teu caminho.
Guarda o pouco que restou.
Afaga as dores,
vença mais uma noite
nesse caminho apático.

Desce a rua, não olha os lados.
Amor multifacetado é indissolúvel,
e do seu brilho não és filho.
Apenas amigo traído
que aos poucos sucumbe
ao seu próprio grito contido.

[Fernando Martins Minighiti][22.02.16][22:40]




domingo, 3 de janeiro de 2016

Fatos noturnos

Quando despertas do sono
E a ele não retornas
Tudo toma forma
Na escuridão que por horas é eterna
E intransponível

A não ser pela respiração
O ar que entra pelo nariz
Oxigena o cérebro,  na escuridão,
Carregado de fatores,
Memórias

Que, nas correntes sanguíneas
Alimentam os neurônios
Com formas que só saem
de seus moldes
Justamente na ausência da luz.

Porque é aqui e agora
Que tudo fica às claras.
O reflexo se perde e o verdadeiro contorno
Reina sobre aquilo que não vemos -
Mas sentimos.

E a sensação fala por si
Sem um som,  sem um ruido
Mas está lá, no ouvido,
Murmurando.  Sussurrando
A luta inglória

Às palavras não ditas e não esquecidas
Entrega-te de alma suja, mas entrega-te.
Partida, mas íntegra.
Pois elas só existirão nessas noites
Em que o fantasiar lhe é negado.

Tudo que é ido,  tudo que ficou
Espremido entre o corpo e a parede
Na cama de solteiro.

E lá, naquele vão,
Naquela fresta infeliz
O mundo inteiro.

[Fernando M. Minighiti] [03.01.16] [05:39]