sexta-feira, 15 de abril de 2016

A lua, o coelho, o poeta

Há pouco tempo, menos de um ciclo lunar atrás, algo engraçado aconteceu. Despi minha roupa, aconcheguei meu cachorro em sua caminha. Fechei a porta do quarto e apaguei as luzes. Era madrugada, precisava dormir. Foi só quando comecei a relaxar na cama que reparei em algo diferente, pertencente àquela noite: meu quarto não estava escuro, como deveria. De fato, vários objetos projetavam sombras... no meio da madrugada.
Revirei-me na cama, e vi minha janela. E, nela, uma lua cheia soberba. Não era qualquer lua cheia. De alguma forma, era a minha lua cheia - ela apontava para a minha cama como que diretamente e deixava meu quarto iluminado em meio a noite. 
Aquilo nunca acontecera. Não com tal intensidade. Talvez por isso permiti-me sair da cama e observá-la. Ou talvez uma criança inocente despertara de mãos dadas com o desejo de encontrar São Jorge na lua. O que ele fazia mesmo? Sim, matava um dragão.
Procurei o coelho, também. Não me lembro do quê acontecia quando uma criança achava o coelho na lua, qual a sua boa-aventurança. Mas me lembro de que as crianças procuravam o coelho, e cá estava eu, um homem à beira dos 22, ainda à procura.
Não o achei. Nunca o achei, na verdade., Não sei se a culpa é dos meus olhos deficientes, se o coelho fugiu antes que eu tivesse tempo de encontrá-lo, ou se simplesmente é algo que não seja para mim.Talvez seja uma lição empregada desde criança, a fim de ensinar-me a viver em ausência, em busca de outras fontes. Como a própria lua que estava ali a rasgar a escuridão, tão preciosa para meu sono - outra ausência.
Ou então, e tenciono a esta divagação, nunca o encontrei porque ele é tão negro quanto a própria lua.
E foi então que dei-me conta do motivo pelo qual este astro frio sempre foi a mãe dos sonhadores, a protetora dos poetas. 
Ela, por si só, é fria, inóspita. Não faz-se vista, não reluz. Precisa encarar o Sol, em toda sua agressão, precisa absorver aquilo que ninguém mas consegue absorver, para que possa nos banhar com sua beleza prateada. Ela não estava lá, no meu quarto, à toa, por estar, despretensiosamente. Ela estava enxergando algo que não podia enxergar, traduzindo-me em sua claridade leitosa.
Quem mais realiza tal proeza, quem mais se arrisca ao ponto de queimar a pele para doar a alma, que não o poeta? Assim como a lua encara o sol para nos dar sua luz, o poeta remexe em tudo aqui que os humanos renegam, e sofre. Sofre com calor das verdades irrefutáveis e silenciosas. Entende tudo aquilo que ninguém mais entende.
E, tão suave quanto a luz do luar, traduz tudo aquilo que viu com aquela beleza que só a tristeza possui. 
Talvez seja essa a magnum opus da lua. Mais do que marés, horóscopos, superstições, a morada de São Jorge e brincadeiras de crianças, talvez ela esteja lá, flutuando soberba no firmamento, para nos lembrar da beleza do segundo lugar. Para nos dizer "calma, respire. Pense melhor". 
Alguns dias depois, a lua já não estava mais cheia, e sua órbita já não cruzava minha janela, de modo que a escuridão habitual voltou a reinar nas noites, quando ia dormir. E, numa dessas noites, sonhei com um eu jovem, no meu quarto atual, brincando com um coelho tão negro quanto a lua e, por isso mesmo, belíssimo. E, nesse momento, eu percebi o porquê jamais havia encontrado o coelho na lua na primavera da minha infância. Desde então, eu soube que meu quarto jamais seria tão escuro novamente.

[Fernando M. Minighiti][15/04/2016][22:52]



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