Deus, perdoe-me, mas não sei o que me tornei. O único esconderijo que posso encontrar é a minha própria pessoa, e é dela que preciso me esconder. Assim, está cada vez mais apertado, e as alterativas são mínimas. Eu não sei o que acontece nos últimos dias, mas o sol nascente não chama mais minha atenção. Assim como quando ele morre no céu. As noites em claro significavam a vista estonteante do astro que nascia. Agora, ele o faz e eu nem me dou conta. Apago meus sentido e, quando os recobro com muito curto, o sol já prepara seu suicídio. O pior de tudo? Não sinto sua falta.
Deus, perdoe-me, mas, às vezes, não suporto nem a minha própria escrita., essa minha única fiel companheira. Aos poucos a abandonei, e agora perco a mão. Não sei há quantas horas estou encarando esse maldito computador, evitando o momento em que devo teclar para escoar algumas coisas que deveriam ter sido escoadas há meses. Eu não me permito nem mesmo ler. O que teria sido de mim sem meus livros, sem as palavras? Já disse o músico, serei sempre eu, as palavras, e o resto é nada mais. Mas e se o que eu me tornei exclui as palavras? O que serie? Tende piedade Senhor.
Deus, perdoe-me, mas meu corpo não é meu santuário - é minha cova. Não é minha casa, é a sarjeta onde o mendigo imundo cochila debaixo da chuva. E esse mendigo sou eu. Mendigo de pedras e lixo. Mendigo das células que me deixara. Falando nisso, você tem algumas células sobrando, Senhor?
Deus, perdoe-me, mas eu perdi toda a esperança, e encaro isso com uma naturalidade que chega a doer. Mas só por uns instantes. Depois eu vivo como se sempre tivesse sido assim. Mas eu sei, não! Não. Eu olho o ser humano aglomerado nas ruas, e o único fator que os reúne sob uma única cúpula, além do levantar e abaixar das cabeças em movimento, é a hipocrisia. É como se, na dose homeopática, eu fosse o veneno - não posso me dissolver em tamanha multidão: me estico, me dissolvo, por que minha existência é inútil em meio a tamanho dinamismo.
Deus, perdoe-me, mas eu sou um desacreditado. Eu vejo as estações passarem, ano após ano, e não consigo fluir no ritmo do fluxo. Acumulo as folhas do outono, o bronze do verão, a cor da primavera. Mas são meus membros gangrenados do inverno que me dominam. E eu não passo de uma estátua. As eras avançam, e eu sigo imutável, impassível.
Deus, perdoe-me, mas as asas que me deste caíram sob a tentação de Midas, e hoje são pesadas placas de ouro que comprimem minhas costas. Ganhei chifres suntuosos em minha testa, e uma marca profunda na minhas mãos. Não me odeie, Deus. Eu ainda tenho minhas asas, veja. Elas não voam mais, mas são lindas, não são? E, se você se acostumar nem vai reparar nos meus chifres. Não há espaço para auréolas. Toda bondade tem seu preço. Toda bondade corta profundo.
Perdoe-me, Deus, mas você não existe, e essas palavras foram tão inúteis quanto os sentimentos que carregam. Quanto acreditar que há salvação.
[Fernando M. Minighiti][05.06.2015][06:03]
Nenhum comentário:
Postar um comentário