Ela percebeu que estava do
lado de fora quando acordou e viu o mundo distorcido, como que pela superfície
de um lago levemente agitado. O desespero a tomou conta, e não era pela vista
ruim, não. Era pela exposição, pela sua vulnerabilidade. Sentia-se nua,
desprotegia.
Via borrões, mas percebeu que eles a encaravam de volta, pela primeira vez
em sua insignificante existência.A viam com nitidez. Sentia as golfadas de ar frio e cortante enquanto
caminhava pela calçada, como se nada
fosse mais cruel. Sua pele, desacostumada, ameaçava a rachar à intempérie.
E, ao mesmo tempo em que o
vento fustigava os cabelos há muito estáticos, era difícil respirar. Tudo era
rarefeito, quase como no cume mais alto, no oceano mais profundo. Ou como um peixe fora desse oceano. Pois foi
assim que se sentiu quando todos aqueles olhos aquáticos e cruéis a fitaram – debatia-se ao som de risadas que demoravam mais tempo para viajar pelo ar até seus ouvidos meio surdos, do que no ar livre.
Mas
aquilo era o ar livre, não era?
A voz falhava-lhe para
deixar a garganta e, quando o fazia, soava distorcida e estranha. Cada vez que
esfregava os olhos a fim de clarear a visão, mais aquosa ela se tornava.
Respirava com dificuldade, pois seus pulmões eram a única coisa que parecia seca
naquele mundo subitamente aquático: estavam em chamas. Arf. Arf. Fogo. Arf.
Arf. Inspirar. Expirar.
Com. Bus. Tão.
Ao poucos, caminhar
tornou-se difícil. Suas pernas fraquejavam, e uma estranha característica
pegajosa tomou conta de todo seu corpo, ao passo que ao retornar para seu
casulo, teve que jogar-se inteiramente contra a porta para força-la a fechar –
trancar era impossível: a chave deslizava e escorregava por entre seus dedos.
Ela derretia, literal ou
figurativamente, interna ou externamente, para ela ou para o mundo, ela não
sabia. Mas que esta versão nua e crua a matava, ela nunca teve dúvidas.
Desabou sobre o chão pautado quando perdeu completamente as forças, e deixou que a celulose sugasse o seu corpo que se liquefazia. Não obstante, a pouca matéria ainda lúcida que
restava em seu castelo sugou avidamente a tinta antes escrita naquelas
folhas. Sugou até a última gota, como um vampiro que acabara de acordar; como
um bebê suga o peito da mãe depois de uma longa noite de sono. Sugou daquela
tinta como um drogado precisa dos seus fluídos, na esperança mútua de
desaparecer: ela, as palavras e o fluído.
Escuridão.
Ao recobrar a frágil
consciência, estava côncava novamente. Sua pele estava sólida mais uma vez, e
ela já podia levantar com firmeza. Abriu a porta e deparou-se com a floresta. Era um suave crepúsculo, mas ela sabia que aquilo era tudo, e nada no mundo tiraria aquele tom laranja escuro do céu.
Olhou ao redor. Podia sentir o peso da pétala que se desprendia da rosa há dez quilômetros e pousava no chão, suavemente, e sentia que ela poderia ser a próxima. Mas o mundo
estava novamente sob foco, e sua respiração estava regular.
Nunca se sentira
tão bem.
[Fernando M. Minighiti][17-22.05.2015]
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