A noite está fria, então jogo qualquer agasalho sobre mim e desço dois lances de escada. Só quando chego no térreo, percebo que estou sem meu fiel isqueiro. Acendo meu cigarro no fogão mesmo, e corro para fora de casa antes que a nicotina se instale na sala e na cozinha.
Caminho. O corredor é ao ar livre, e a vegetação à minha esquerda ajuda no clima noturno gelado. E isso é bom.
Paro na sacada. Coloco um gole de café na boca e tento engolir. Cuspo. Ele está recém-feito, e quase queimo até minha alma nesse simples gole. Irônico.
A noite está silenciosa. Um grupo de meninas bem unidas passa pela rua. Minutos depois, um rapaz repete o percurso, escutando música em seus fones de ouvido, sendo incapaz de cantarolar em um volume considerável. Depois ele, não há mais alma viva. Olho adiante. Minha visão dá para as casas do município vizinho, ao horizonte. As casas iluminadas pelas luzes laranjas por postes são evidenciadas, por vez ou outra, por faróis de carros que vagam perdidos e esquecidos pelas ruas. Além dessas casas, posso ver o município vizinho ao meu município vizinho. A visão de São Paulo resume-se à um monte de árvores, bem ao fim da minha linda de visão. Lá é a terra onde tudo muda.
Sei que, além daquelas árvores que criam o pacato Parque das Fontes do Ipiranga, há um cidade caótica que não dá a mínima para o fato de não existir nem uma mosca sequer aqui onde vivo. Há mais que uma cidade, há um organismo vivo, uma veia saltitante. Há avenidas, ruas, vielas, becos, bares, em uma constante e profusa explosão de diversidade.
Eu sei que, nessa efervescência, pessoas (talvez assim como eu) estão esquecendo o dia de amanhã. Elas entram em clubs e baladas, pagando ou sendo bancados por amigos fieis. Eu sei que garotas aproveitam porque geralmente tão free até umas 00h, 1h30. E eles bebem. Eles riem. Eles dançam, Bailan el ritmo latino y caliente. Eles beijam. eles encontram a felicidade, mesmo que por horas. Eles, esses jovens, podem finalmente vierem seu próprio eu, sem restrições por trabalhos, faculdades, escolas, vida pública. É quase que uma vida à parte. E eles se rendem ao instinto mais puro, mais carnal, mais límpido. Eles se beijam. Elas se beijam. Ele e ela se beijam. Ele, ela e ele se beijam.
O amanhã?
O que é o amanhã?
De olhos fechados, posso até escutar tal algazarra. Mas ela não me pertence. Eles estão lá e, eu, aqui. Há casas, árvores e uma pequena selva de pedra separando-nos. Não é meu. Não é para mim. Não pertence ao meu eu e, por isso mesmo, a tal algazarra me mata lentamente.
Abro os olhos. Não quero mais escutar tais vozes, então não as escuto. Olho o céu. Está timidamente estrelado atrás de mim. Porém, uma lua fenomenal se apresenta à minha frente. Bela. Soberba. Cheia. Tola como os amantes. Tão mística que uma áurea quase que multicoloria a permeia, e isso me embarga sem motivo.
Admiro sua solidão. Não há estrelas ao seu redor. A própria lua, em si, prova sua fraqueza: ela precisa do Sol. É-lhe uma necessidade. Sem ele, ela jamais seria ela, adorada, venerada. Endeusificada. Sem o Sol, a Lua não existiria.
Então de quem seria o mérito de seu brilho, de seu esplendor? Quem era o merecedor de tal espetáculo natural?
Independente de saber ou não a resposta, independente de ser ou não digna de crédito de tal beleza, chego à conclusão que ela sempre será sozinha. Sempre. Conforme a roda dos séculos gira, o Sol lhe dá sua mão, sua luz, e ela passa a existir em meio ao nada, iluminando a escuridão, e iluminando a minha escuridão - sozinha, sem pedir nada em troca.
Olho mais fixamente para ela, e sou capaz de ver-me refletido em sua solitude. Não suporto mais sustentar o olhar, e volto a mirar as árvores que protegem-me do mundo real, a dois municípios à distância. Quase sou capaz de escutar a algazarra e a felicidade que emanava por além das árvores, mas dessa vez faço meu melhor para bloquear o som que já chegava aos meus ouvidos.
Fecho meus olhos. Deixo meus vermes me vencerem. Então, e só então, permito-me chorar.
[Fernando M. Minighiti][01.05.2015][2:11]
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