Eu quero a árvore, novamente. Não qualquer uma. Quero a adrenalina da subida e a tensão da descida, só para sentir a única garoa fina que não me irritou em quase 21 anos de vida. Quero sentir o frio que, em minha pele, não é exatamente frio, e nem preciso usar um agasalho enquanto caminho em busca de pontos de ônibus e táxis que não conheço. Quero aquele protótipo de cidade grande e, por isso mesmo, tão meiga e graciosa. O prazer da estadia também. É bom ser tratado como adulto e com todas as regalias que a gente acha que nasceu para ter. Quero aquele modo estranho de falar e o olhar de ódio que na verdade não é ódio, só um modo fechado de ser. Quero os lenços, as botas, o chapéus, a música, o parque sem grades, o lago, o rio, o pôr do sol. Ah, o pôr do sol! O queria novamente e, de preferência, que fosse um pouco mais eterno do que cinco minutos. Queria o concreto arborizado, assustadoramente arborizados. A galeria erroneamente denominada shopping. Tudo isso na mais profunda solidão. A brisa seria minha companhia, além do líquido amargo com aquele maldito canudo (sempre será um canudo pra mim) metálico condutor do calor do Inferno. E só isso.
Queria também voltar a ter uma família. Queria a rotina novamente: colocar a mochila na roupa no quinto dia útil e só voltar para a realidade no primeiro, talvez no segundo dia da semana seguinte. Quero voltar a ter lições de nado, e depois imaginar-me, novamente, um adulto, pois estaria sendo tratado como um. Quero dormir em um colchão sob um tapete felpudo com um calor móvel ao meu lado. Queria as noites mais bem dormidas - e coloca bem dormido nisso. Queria lembrar de meus professores sempre que me mudasse, mesmo que por alguns dias, para aquela rua. Queria voltar a ter planos maiores, e ser uma pessoa melhor. Sim, como queria ser uma pessoa melhor.
Desejo, também, um carinho tímido. Quem sabe receber uma outra carta? Não. Nunca. Não? Sim? Talvez? Talvez agora eu escreva uma, mas o carinho nunca mais seria o mesmo. Ao menos acho que não seria. Será? Mas sinto isso também. Aquela mente assustadoramente profunda, seus pensamentos irritantes de tão complexos. Queria seus olhos, mais analíticos do que o normal. Sua cumplicidade. Sua doação integral, quase doentia, amavelmente doentia, duzentos por cento. E as cervejas. E as piadas inesperadas depois de bêbados. E a velha rotina.
E, acima de tudo, só queria uma pequena inocência. Aquela que já tive, e que todos um dia tivemos. Sentir aquela ansiedade novamente. Aquele frio na barriga. Aquela certeza inabalável de que tudo dará certo, por mais que você se esconda em escadas de emergência para que ninguém veja o crime que praticas contra a parcela conservadora da sociedade. Ah, como eu queria aquelas dúvidas monstruosas que hoje tornaram-se grãos de areia. Como queria aumentar o brilho do mundo como na tela do meu smartphone.
E, acima de tudo, só queria uma pequena inocência. Aquela que já tive, e que todos um dia tivemos. Sentir aquela ansiedade novamente. Aquele frio na barriga. Aquela certeza inabalável de que tudo dará certo, por mais que você se esconda em escadas de emergência para que ninguém veja o crime que praticas contra a parcela conservadora da sociedade. Ah, como eu queria aquelas dúvidas monstruosas que hoje tornaram-se grãos de areia. Como queria aumentar o brilho do mundo como na tela do meu smartphone.
Mas, depois de tudo, essas coisas todas não passam de lembranças. Boas e, em sua maioria, ruins. Talvez o que eu realmente queira seja apenas a reclusão. Seria interessante passar uns bons meses sem a sensação de que daqui a algum tempo poderia estar me lembrando de outro erro, ou de outra coisa boa que se foi, como pássaros que aprendem a voar. Talvez eu seja isso. Talvez eu seja um ninho, um ninho bem aconchegante, modéstia à parte. Lá, um ou outro pássaro se aconchega, se apetece, aquece, cresce. E, quando está pronto, voa para o mundo. Ou então o vento aperta, em determinado inverno, e eu me balanço no galho da árvore da minha vida e expulso o pobre pássaro de dentro, que é obrigado a viver e ser feliz sozinho. Talvez essas lembranças sejam apenas reflexos de uma incrível falha do meu cérebro ou do meu jeito de ser. Ou talvez elas só querem dizer: "tudo o que quero é inverter os papéis e me tornar um pássaro e eu juro, juro, nunca mais voarei para longe do meu ninho."
[Fernando M. Minighiti][07.03.2015][20:10]
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