quinta-feira, 26 de março de 2015

Sobre 25 de março

Eu nunca usei o presente blog como um canal com o qual eu me comunicasse com outras pessoas - apesar de receber modestas visitas. Onde quero chegar é que sou um egoísta. Nunca preocupei-me em escrever em primeira pessoa, nunca procurei interagir com os poucos leitores e, honestamente, não sinto a menor falta disso. Sou fechado. Aqui não seria diferente.
Entretanto, por mais que eu esteja 5 horas atrasado, eu não pude deixar de lembrar que ontem, dia 25 de março, foi comemorado o Dia do Orgulho Gay. Sendo o mais sincero possível, não sei o que se passou comigo, porém um súbito desejo de expressar-me, de falar, de escrever, tomou-me conta. 
E eu preciso falar. 

Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Artigo 1
Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo 2
I) Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (...)

É lindo e é justo. É poético e, na prática, é uma mentira. E as provas são claras. Segundo o Grupo Gay Bahia (GGB), no ano de 2013, um homossexual foi assassinado a cada 28 horas no Brasil. Durante todo o ano. Pelo simples crime de ser gay, de se relacionar com pessoas do mesmo sexo. Por saírem dos padrões. 
Eu não consigo ver a morte de um gay. Eu vejo o assassinato de um ser humano. Um semelhante. O que o Zé da padaria ou o João do mercadinho ganham ou perdem se seu vizinho sai com homens? O que o torna diferente?
Nós, gays, somos dotados de todos os atributos que um "ser humano normal" detêm. Pagamos nossas contas, vamos ao trabalho, saímos para nos divertir com nossos parceiros (ou parceiras). E - surpresa! - sim, nós nos beijamos - e sentimo-nos tão felizardos como quando um homem beija uma mulher.
Então, sob quais direitos essa sociedade hipócrita pode nos privar de nossa felicidade? Sob quais méritos somos julgados como escória, como errados, pervertidos, pecadores, criminosos? Sob quais direitos somos submetidos ao medo de sair de uma festa em um domingo de manhã, carregando o receio de ser espancado, agredido, ferido, humilhado, abusado, morto?
Eu, como gay, tive muito medo, no início. Tive medo por ter vivido 16 anos da minha vida imerso em uma sociedade preconceituosa e machista, onde me ensinaram desde cedo que homem gostar de homem e mulher gostar de mulher era errado. Fui privado, por pessoas absolutamente próximas, a comprar uma simples camiseta roxa por que "roxo é a cor do gay". Fui ensinado que "o Cazuza só era um grande poeta, por que de resto era um depravado, pois era gay". Quanta tolice.
Minha sexualidade é natural, e não uma escolha. Eu sou assim. Eu sou assim e reneguei isso por 16 anos. Reneguei à exaustão, reneguei até que não suportasse mais, até que a sanidade me deixasse. E, junto dela, que quase minha vida me deixasse também. 
A pressão social foi tão cruel no meu psicológico, que eu não queria ser mais um ser humano tão errado, que gostava de garotos. Eu não queria ser uma vergonha para minha família, o motivo de gozação para meus colegas. Eu queria ser "normal". Mas não podia.
Eu já tentei colocar um ponto final na minha vida, e o apoio de determinadas pessoas durante essa fase delicada da minha vida foi essencial para que eu não repetisse a tentativa e, dessa vez, quem sabe, obtivesse sucesso.
Hoje, com praticamente 21 anos, eu posso dizer que me orgulho de ser assim, gay, e tão normal quanto qualquer pessoa. Meus relacionamentos, meus círculos de amizades e diversos outros papéis sociais foram drasticamente influenciados por todo o preconceito que, mesmo que indiretamente, sofri. Costumo dizer que tenho uma mente quebrada. Arredia. Mas isso eu sei que é passageiro. E, mesmo carregando meus traumas, consigo erguer a cabeça e dizer "você não é ninguém que possa me classificar, me julgar e me depreciar. Eu sou gay. Sou humano. E essa integridade ninguém nunca há de roubar-me".
Pergunto-me o que o cidadão tradicionalista, que ergue placas de apoio a intervenções militares em protestos como o do último dia 15 de março tem na cabeça. Ou o que o mesmo cidadão tradicionalista sente na sua suntuosa mesa de café da manhã e leia em seu jornal sobre a Parada Gay e chame a todos de depravados. Pergunto-me o que se passa nas mentes de pessoas como Levy Fidelix, Marco Feliciano (este machista e homofóbico de marca maior). Pergunto-me se existe consciência em pessoas que acreditam que uma família só pode ser denominada como tal se seguir o "modelo padrão" de homem, mulher e filhos. Pergunto-me se todas essas pessoas são felizes. Pergunto-me se elas percebem que, além de ofender uma classe que por si só já é frágil, cometem crimes diariamente. Seriam esses crimes perdoáveis para essa parcela da população? Não comecei este texto com os dois primeiros artigos dos Direitos Humanos à toa.
Entretanto, acredito em um futuro melhor. Acredito que um dia viverei em uma sociedade onde poderei ver héteros, gays e lésbicas andando pelas ruas de mãos dadas sem se preocupar com o que vão pensar. Acredito que posso ver o dia onde não seremos maltratados e que não teremos direitos básicos negados. O dia que nos verão como família. O dia em que o jovem não sentirá vergonha de dizer aos seus amigos e à sua família que é gay. Que não seremos mortos por sermos quem somos.
Como dizia Chico Buarque, amanhã vai ser outro dia...

[Fernando M. Minighiti][26.03.2015][06:01]

Como se já não tivesse me estendido o suficiente, aproveito para deixar registrado um último recado acerca do Dia do Orgulho Gay. Uma linda lição do magnífico Allan Jones que todos deveriam seguir, em busca de dias melhores. 

“Eu, que pretendo solene dispor cuidadosamente das palavras a fim de não desrespeitar quem quer não mereça, venho, em nome de toda autoridade que eu não tenho e nem preciso, pedir-lhes que deem fé a este comunicado:
Que fiquem, a partir de agora, desinterditados o carinho e a safadeza entre:
As cidadãs e as outras cidadãs das cidades
os cidadãos e os outros cidadãos
a cidadona e seus cinco cidadãos
a outra cidadã e os seus oito cidadãos
o cidadão e suas 17 cidadãs infláveis…
O porteiro do prédio e o limpador da piscina do prédio. Seja na portaria ou na própria piscina do prédio, que não tem porta e, sendo assim, fica mais fácil de tomar banho escondido e abraçado na água morna, cantarolando as canções de Andaluzia que aprenderam às 5h15 da manhã com seus companheiros de orelha.
Que se desproíba também a vendedora de salada de frutas e a mulher que saliva ao ouvir o sininho pendurado na moto da vendedora de salada de frutas. A mulher que desce as escadas com água na boca, e toca mais uma vez o sininho, e saliva. E sorri. E sonha subir naquela moto e correr por todas as ruas do mundo, correr até que se acabe o petróleo que fabrica a gasolina, só para que elas possam ficar perdidas em qualquer asfalto longe, só para que elas possam tocar aquele sininho o mais alto que puderem, até as mãos se desmancharem, para que todo mundo saiba que, há quatro meses, elas nem aguentam comer mais a salada de frutas. É que elas salivam, e que sorriem e que se encontram mesmo é pela língua da boca uma da outra. E pelo som delicioso que elas juram escutar daquele sininho.
Que a juíza de Direito Maria Aparecida dos Santos possa finalmente usar em algum porta-retrato o presente que ganhou da travesti Vivian Lolita: uma foto em que se abraçam e uma dedicatória em que se diz: ‘Maria, desculpe a falta de decoro, mas é que eu não vejo a hora de sair do teu armário, me leva pra rua, lembra? É só a parte de fora do meu peito é que não é de verdade. Que fique permitido o nosso abraço’.
Que a partir de agora fiquem terminantemente permitidos todos os abraços. Os abraços dos braços ou os abraços das pernas. Sejam essas pernas cabeludas ou raspadas. Pretas ou brancas. Listradas ou azuis!
E que a única coisa que fique terminantemente condenada seja o desrespeito e a utilização de métodos de estiramento capilar na cabeça de pessoas como o Excelentíssimo Senhor Deputado Pastor Presidente da Comissão de Direitos Humanos deste país. Condene-se o preconceito contra os cabelos que nascem duros e contra os paus que ficam duros pelo que quer que seja! Contra o amor ou contra o cu de quem quiser que exista. Fiquem eles proibidos. E quanto aos outros e outras, que continuem fodendo e lutando por dias mais bonitos.”

[Da discursiva][Allan Jones]







terça-feira, 24 de março de 2015

Sobre a morte de Pierrô

Era fim de noite, quase o dia seguinte, quando ele parou o carro em frente à casa. Mesmo assim ele não se importou. Sabia que eram noturnos e não se enganou: luzes indicavam a vivência do local. Era sábado. Ele abaixou o retrovisor, encarou o seu rosto no pequeno espelho e não o viu. No lugar dele, uma suntuosa máscara veneziana cobria sua face. De um dourado pálido, tinha linhas em vermelho sangue e alguns brilhos. Sobre a cabeça, magníficas tiras que lembravam tecidos estavam estiradas displicentemente para o alto, só para caírem suavemente em direções opostas.. Sob a ponta de cada uma dessas tiras, sininhos. A máscara acabava na altura de seus lábios, no final de suas bochechas, mas isso também era encoberto por um enorme e pontudo nariz, que passava uma imagem ameaçadora àquele bobo da corte de Veneza. 
Saiu silenciosamente do carro negro, e mais silenciosamente ainda fechou a porta. Também vestido todo de negro, caminhou até o porta malas. Lá, sacou uma pá. Era só disso que precisava. O outro item, seu revólver, já estava em seu bolso. 
Com a pá nos ombros, não caminhou para a casa. Em vez disso, dirigiu-se ao lado oposto e começou a pisar em um chão de terra úmida. Devia ter chovido naquela manhã. Sem hesitar, pôs-se a cavar. 
Era a primeira vez que cavava, mas não havia muitos segredos em se criar uma sepultura. Inicialmente, pensou em fazer vários exemplares dela. Repensando, porém, decidiu que uma bastaria, pois isso representaria união, em todos os aspectos. Era lindo. Era poético. Artístico. Assim como ele. Com todo o cuidado do mundo para sujar-se o menos possível, cavou, cavou e cavou. 

A casa cheia, o coração vazio
O veneno acabou, a festa esvaziou
O tempo da inocência terminou.

Cavou, cavou e cavou. Pouco mais de um metro e meio. Rasa, sim. Mas nada além do necessário, o suficiente para não ser feio, e sim artístico. Artístico. Como ele. 
Pulou para fora da cova. Caçou uma pedra. Achou uma grande, relativamente redonda. Fincou-a na base da sepultura. E isso era tudo. Não haveria de ter nomes ali. O espólio daquela vergonha não haveria de ser lembrado. Ela haveria de morrer como indigente, sem herdeiros, sem memória. Sem legado. 

Eu pude ver o sol desaparecer do seu rosto, dos seus olhos, da sua vida.

Desaparecera, e não nasceria novamente. 

Colocou a pá novamente sobre o ombro (esquerdo), e voltou para o carro. Não parou neste. Continuou para a casa. 
As luzes estavam acesas, mas ele não tocou a campainha. Preferia uma estrada mais apoteótica, Artística (como ele). Sendo assim, pegou certo impulso e chutou violentamente o portão. O barulho causou alvoroço nos moradores não só da casa, mas de toda a rua silenciosa naquele início de madrugada. Mas isso não o impediu. Duas, três, quatro vezes. Na quinta tentativa, o portão cedeu. 
À essa altura, um homem já havia saído de casa, ao passo que não pôde continuar velozmente e caiu. Sem dar atenção a ele, o bobo da corte continuou seu caminho. Livrou-se da pá (que caiu perigosamente perto do homem no chão), e sacou seu revólver. 
Destravou-o com uma mão, enquanto o apoiava com a outra, e isso lhe trouxe tanto prazer quanto estalar seus dedos cansados - por que no momento que que se tocaram, seu dedo transformou-se no gatilho da arma, uma extensão de seu braço, assustadoramente natural ao seu corpo. 
O bobo veneziano adentrou a casa, e algumas mulheres avançaram sobre ele, ao passo que algumas bofetadas as deixaram imóveis. 
Foi então que um homem surgiu, e o levantou pelo pescoço, grudando o bobo na parede. Ele sentiu o ar esvair-se de seus pulmões, enquanto esperneava. Esperando não dar motivos para mostrar-se fraco, amoleceu seu corpo, ao passo que a mão do homem soltou o pescoço do bobo. Este, então, desferiu um golpe com a arma na cabeça do outro. Sangue jorrou em diversas direções, mas o homem não estava morto. Apenas caiu, e no chão permaneceu. 
E ali estava ele, o último homem: a morte, a solidão, a descrença. O lado negro do amor. A perdição. E doçura insuportável. A perfeição.
Nenhum dos dois fez nada por alguns segundos. Até que o bobo disparou, e voou, por que a arma era dele e era ele. Seus dentes sentiram a carne dilacerada de raspão pela bala, por que ele era a bala, em sua raiva e mágoa, em sua culpa e sua sensibilidade. Ele sentiu o sangue, e dele bebeu enquanto o outro caía no chão, urrando de dor. 
Ele urrava, e o som não era bom. Ele urrava, e isso incomodava os ouvidos do bobo. Ele não queria sofrimento. Ele era um bobo. Ele não era triste. Ele não aceitava tristeza. Ele não tolerava. 
O bobo avançou sobre o homem ferido. Ele não aceitava tristeza. Sentou-se no peito do rapaz, o qual gemeu um pouco mais alto sobre o peso ossudo do bobo. Ele não deveria estar chorando assim, ele não devia estar gritando assim, ele deveria se calar. 
Sacou seu revólver e disferiu uma coronhada no rosto do homem. Mais sangue espirrou, manchando suas roupas pretas e deixando o vermelho da máscara ainda mais pálido. O homem, ao menos, havia parado de demonstrar sua dor.
Lentamente, artisticamente, o bobo segurou o nariz pontudo da máscara, que era o seu nariz, e removeu-a. 
O homem por baixo do bobo viu, então, em meio à uma visão ensanguentada, que o bobo não era um bobo. Era um palhaço. 
A tinta pálida cobria seu rosto por completo. Uma espécie de batom negro cobria seus lábios, assim como seu olhos também estavam escuros e borrados, contrastando com a palidez geral de sua face. Em uma das bochechas, a única cor que se realçava: uma grande lágrima pintada de azul.
-Porque choras tanto? - sussurrou o palhaço. - Por que choras?  
Suave e artisticamente, introduziu o cano do revólver na boca ensanguentada do homem, enquanto descia seus lábios negros para o ouvido dele.
-Pierrô só queria Colombina. - continuou sussurrando, cada vez mais espaçadamente, mais ofegante, mais embargado, terrível e descontroladamente embargado. Aquilo não estava nos planos, - Colombina deveria largar Arlequim e vir para seu Pierrô. Mas ela não voltará para este Pierrô. Nunca mais. Nem ela, nem ninguém.
O palhaço triste tremia. Aos poucos, seu dedo já era seu dedo novamente e, num ímpeto, livrou-se da arma. Com um salto, deixou o homem no chão, livrando-o dos ossos de Pierrô.

Por mais que doa, não é maravilhoso sentir?

O palhaço olhou ao seu redor. Todos aqueles que machucara estavam vivos, e observavam a cena apavorados - mas não menos agressivos, defensivos. Era o instinto de sobrevivência que reinava naquele local.
Lágrimas verdadeiras, transparentes e não azuis, e nada artísticas, brotaram nos olhos negros do palhaço triste, e assim sua fraqueza foi mostrada ao mundo. Não lágrimas de medo - ele já sabia o que iria se passar ali - mas, sim, lágrimas de tristeza e de arrependimento. 
-Desculpem-me - ele sussurrou para todos e para ninguém. - Eu só queria Colombina.
E correu. 
Voltou pelo portão derrubado, e desvencilhou-se da multidão que observava a casa, até poder chegar na sepultura que ele havia cavado, quando ainda era um temível e artístico bobo da corte de Veneza.
Lá, em profundo pranto, ajoelhou-se e regou a cova com suas lágrimas, fazendo de seus soluços as vezes dos sinos.
Foi quando a multidão se abriu, e todos aqueles que ele agredira, homens e mulheres, apareceram, formando um meio círculo.
No centro, mancando, apoiado em duas mulheres e com a arma que o palhaço deixara para trás em suas mãos, esteva o homem mais ferido, o único que tinha sido atingido de raspão, pelo único tiro desferido.
O palhaço nada disse. Apenas deu as costas à sepultura cavada e levantou-se, enquanto se forçava a encarar todos ali.


Vão tentar derrubar, que é pra me ver crescer.
E, às vezes, me matar, que é pra eu renascer como uma supernova que atravessa o ar.

Pierrô fitou Colombina e Arlequim. Eles eram, hoje e para sempre,  indissociáveis.
Diferente do que o acertara de raspão, o tiro que o rapaz desferiu contra Pierrô fora certeiro, e este morreu antes de atingir o solo. Mas se ele pudesse ter tido a oportunidade de presenciar a cena, teria visto que seu corpo caiu artisticamente na sepultura que não cavara para si, mas que lhe serviu como uma luva.

[Fernando M. Minighiti][24.03.2015][01:08]


quinta-feira, 19 de março de 2015

Com ou sem razão

Alguém me disse
que você já está bem -
que só pelas manhãs
é que fica mal.
Mas que tudo passa
quando a tarde chega,
e quando a noite anuncia
suas lindas estrelas.

Então me diga por que eu
deveria morrer
pra te ver feliz?
Por que
sofrer só
pra te ver sorrir?
Será ego ou solidão?

Alguém me disse
que seu coração já voa,
e o que o prende
é um fino arame
que não vai suportar
ao calor do verão,
e te deixará voar -
São duas ou uma paixão?

Então me diga por que eu
deveria me abaixar
pra você passar?
Por que
me calar
só pra te agradar?
Sou eu, com ou sem razão.

Alguém me disse
que você adora frases,
que elas te motivam,
dão sentido à sua vida.
Mas só não se esqueça
que sim, somos ardilosos.
(É que criamos essas mentiras em que acreditas
para tolos orgulhosos).

Então me diga por que eu
deveria me contornar
por algo que não vai vingar?
Por que
me desgastar
com quem não compreenderá?
Serei eu e a solidão,
com ou sem razão.

[Fernando M. Minighiti][13.03.2015][06:13]


sábado, 7 de março de 2015

Últimos desejos

Eu quero a árvore, novamente. Não qualquer uma. Quero a adrenalina da subida e a tensão da descida, só para sentir a única garoa fina que não me irritou em quase 21 anos de vida. Quero sentir o frio que, em minha pele, não é exatamente frio, e nem preciso usar um agasalho enquanto caminho em busca de pontos de ônibus e táxis que não conheço. Quero aquele protótipo de cidade grande e, por isso mesmo, tão meiga e graciosa. O prazer da estadia também. É bom ser tratado como adulto e com todas as regalias que a gente acha que nasceu para ter. Quero aquele modo estranho de falar e o olhar de ódio que na verdade não é ódio, só um modo fechado de ser. Quero os lenços, as botas, o chapéus, a música, o parque sem grades, o lago, o rio, o pôr do sol. Ah, o pôr do sol! O queria novamente e, de preferência, que fosse um pouco mais eterno do que cinco minutos. Queria o concreto arborizado, assustadoramente arborizados. A galeria erroneamente denominada shopping. Tudo isso na mais profunda solidão. A brisa seria minha companhia, além do líquido amargo com aquele maldito canudo (sempre será um canudo pra mim) metálico condutor do calor do Inferno. E só isso. 
Queria também voltar a ter uma família. Queria a rotina novamente: colocar a mochila na roupa no quinto dia útil e só voltar para a realidade no primeiro, talvez no segundo dia da semana seguinte. Quero voltar a ter lições de nado, e depois imaginar-me, novamente, um adulto, pois estaria sendo tratado como um. Quero dormir em um colchão sob um tapete felpudo com um calor móvel ao meu lado. Queria as noites mais bem dormidas - e coloca bem dormido nisso. Queria lembrar de meus professores sempre que me mudasse, mesmo que por alguns dias, para aquela rua. Queria voltar a ter planos maiores, e ser uma pessoa melhor. Sim, como queria ser uma pessoa melhor. 
Desejo, também, um carinho tímido. Quem sabe receber uma outra carta? Não. Nunca. Não? Sim? Talvez? Talvez agora eu escreva uma, mas o carinho nunca mais seria o mesmo. Ao menos acho que não seria. Será? Mas sinto isso também. Aquela mente assustadoramente profunda, seus pensamentos irritantes de tão complexos. Queria seus olhos, mais analíticos do que o normal. Sua cumplicidade. Sua doação integral, quase doentia, amavelmente doentia, duzentos por cento. E as cervejas. E as piadas inesperadas depois de bêbados. E a velha rotina.
E, acima de tudo, só queria uma pequena inocência. Aquela que já tive, e que todos um dia tivemos. Sentir aquela ansiedade novamente. Aquele frio na barriga. Aquela certeza inabalável de que tudo dará certo, por mais que você se esconda em escadas de emergência para que ninguém veja o crime que praticas contra a parcela conservadora da sociedade. Ah, como eu queria aquelas dúvidas monstruosas que hoje tornaram-se grãos de areia. Como queria aumentar o brilho do mundo como na tela do meu smartphone.
Mas, depois de tudo, essas coisas todas não passam de lembranças. Boas e, em sua maioria, ruins. Talvez o que eu realmente queira seja apenas a reclusão.  Seria interessante passar uns bons meses sem a sensação de que daqui a algum tempo poderia estar me lembrando de outro erro, ou de outra coisa boa que se foi, como pássaros que aprendem a voar. Talvez eu seja isso. Talvez eu seja um ninho, um ninho bem aconchegante, modéstia à parte. Lá, um ou outro pássaro se aconchega, se apetece, aquece, cresce. E, quando está pronto, voa para o mundo. Ou então o vento aperta, em determinado inverno, e eu me balanço no galho da árvore da minha vida e expulso o pobre pássaro de dentro, que é obrigado a viver e ser feliz sozinho. Talvez essas lembranças sejam apenas reflexos de uma incrível falha do meu cérebro ou do meu jeito de ser. Ou talvez elas só querem dizer: "tudo o que quero é inverter os papéis e me tornar um pássaro e eu juro, juro, nunca mais voarei para longe do meu ninho."

[Fernando M. Minighiti][07.03.2015][20:10]


Criação, prazer, lixo, tédio e criação

Felicidade não existe. Sob nenhum aspecto. O que idealizamos é uma farsa - a felicidade eterna, duradoura -, assim como o que nos é vendido. Ela não existe, e ponto. Ela é um raio de luz, uma visão meteória fugaz: em um segundo, acreditamos que ela está lá, assim como vislumbramos um cometa riscando o negro do céu e, também como ele, no segundo seguinte tudo desaparece. E tudo o que possuímos é a dúvida de se realmente o que sentimos foi uma prova do conceito de felicidade; se realmente avistamos um cometa em atrito com a atmosfera ou se foi só a nossa vista cansada de olhar para as estrelas. 
Apresento ao júri minhas opiniões completamente arbitrárias sem a mínima cerimônia ou protocolo, isentando-me da tarefa de criar sentido lógico para o leitor ou de unir todos em um maldito senso comum. Faço uso da liberdade que possuo desde o momento em que respiro, único bem do humano. Leiam as palavras deste réu acusado de presenciar passivamente o assassinato de uma concepção.

Desde crianças aprendemos a buscar nossa felicidade. Então o jovem estudante irá se esforçar para tirar ótimas notas e, assim, conseguir entrar em uma universidade conceituada. E isso o torna feliz por alguns semestres, até que ele só se veja feliz novamente quando for capaz de sair da mesma universidade com tantas honras quanto entrou. Ele então se forma e, do mais alto posto de estudante, decai para a mais baixa posição na empresa que entra para exercer a profissão e sim, isso o deixa feliz. 
Essa felicidade é minguada e reposta a cada cargo que ele evolui ao longo dos anos na empresa. Até que encontra a mulher (ou o homem) da sua vida e sua felicidade chega ao ápice. Como poderia ser mais feliz? A busca por todos seus anseios fora saciada, e isso o fazia se orgulhar. 
E quando ele se vê de posse de tudo o que desejava desde pequenino, ele avança. Casamento, casa, família, crianças, emprego, rotina. E isso o cansa. A sua própria criação o trai, o abandona.
E as perguntas surgem. A vida cobra. Quem impôs o casamento? Quem decretou que ele iria dedicar-se anos a fio, interruptamente, aos estudos de uma profissão que não lhe traz felicidade como a sua idealização trazia? A felicidade do homem, então, passa a resumir-se aos dias de pagamento, ao segundo anterior e posterior - e nada além - do gozo. A companhia perde a graça. O emprego perde a graça. A vida perde a cor. Onde estaria a felicidade? Morta? Teria ela existido?
Este homem fictício, então, procura desanuviar em um bar e entrega-se ao prazer da bebida. E o copo de cerveja lhe traz satisfação, a sensação de desejo saciado, de felicidade novamente. Sensação essa que é menor no segundo copo. E menor no terceiro. E quase inexistente no quarto. 

Isso por que o homem é um ser ingrato. Incluo-me neste grupo. Ele é capaz de criar objetos, situações, momentos ao seu bel prazer com a única finalidade de entreter-se, de passar seu tempo e de satisfazerem-se. Com a finalidade de sentir essa tal de felicidade. E, assim como criaram, desfazem-se de tudo quando o sentimento primeiro já não for duradouro o suficiente para os manterem entretidos com a ilusão de alegria. Então, subindo novamente a colina, eles se entediam. Criam. Constroem. Divertem-se e, ao chegar no final do vale, após o frenesi da descida, se desfazem novamente. 
É ciclo. É regra. Criação. Prazer. Lixo. Tédio. Criação. Prazer. Lixo. Tédio.
Tudo se resume única e exclusivamente no ato da busca. A busca ao prazer. A busca à felicidade. À satisfação.
Isso, claro, se ela for aceita e legitimada socialmente. O prazer que eu sentiria matando alguns semelhantes meus me é negado. Matar é socialmente errado. Sendo assim, essa felicidade me é privada e ninguém se importa. Assim como ninguém se importa com pedófilos por natureza e que nunca abusaram de nenhuma criança, por exemplo.
Sofremos por buscar essa felicidade inexistente, e sofremos quando ela se mostra efêmera. Por que nós somos assim, insaciáveis, egoístas. Gananciosos. 
Talvez o "não ter" traga mais felicidade do que a posse dos sonhos nas palmas nas nossas mãos. Assim não teríamos nada para nos cansar, jogar fora, e buscar novamente. Ao menos é isso que estou me forçando a pensar ao perceber que minha "felicidade" foi mais efêmera que o normal ao desejar fumar e perceber que meu maço estava vazio. 

[Fernando M. Minighiti][07.03.2015][04:51]


segunda-feira, 2 de março de 2015

Dancing through the night

That girl has a smeared makeup, but she doesn't mind.
A few drinks, few guys, just beginning the night.
She thinks is right, but everyone look as if she was wrong.
She thinks is right, they think is wrong,
So, she become wrong.

But she loves dancing through the night,
'Cause if she stops, she falls apart.
While it doesn't end,
She'll be on the dancefloor,
Too busy making herself reborn.

One day she obeyed what to think, what to say.
But this night is her night, and no one would take it away.
So she were right, is her right, 'cause no one could see your pain.
Where's her pain? Where's her pain?
Gone away, returns when the day rise again.

That's why she's dancing through the night
'Cause when she stops, she'll fall apart
She prays for an endless night,
To stay on the dancefloor,
Too busy making herself reborn.

[Fernando M. Minighiti][02.03.2015][03:38]