E eis que o Sol surgiu. Criou-se assim, por vontade própria mesmo. Numa solidão quase que arrebatadora, na ausência de alguma intervenção divina, simplesmente apareceu. Percebeu então, em si mesmo, suas próprias proporções magníficas. Era um titã, um colosso. Perfeito em cada forma, em cada ângulo. Imponente, experimentou de suas chamas o calor irresistível. Apreciou suas chamas, suas explosões colossais. Era poderoso e grande como o Deus o que havia esquecido. Quando, por fim, terminou sua primeira auto-avaliação, voltou seus olhos vermelhos para o que via em volta. Era um lugar estranho aquele. Não havia ser algum lá em baixo. Apenas o nada. Percebeu colinas, talvez montanhas. Cursos de rios que se moviam como cobras sinuosas em direção àquelas grandes áreas azuis que cobriam a maior parte daquilo que iluminava. A princípio, sentiu-se sozinho. Para quê viver, aquecer, não havia ninguém a lhe adorar, santificar? Uma vida sem apoteose valia a pena? Valia, o Sol pensou. Ele era grande o suficiente, reluzente o suficiente para precisar de alguma coisa além de si mesmo. E era assim. Era belo.
Anos passaram. Décadas de luz incandescente. Séculos de grandiosidade. Milênios de explosões abrasadoras, da exposição de sua grandiosidade. Quem se aproximava demais de sua auréola incandescente era penalizado com a morte, por que ele estava se sentindo traído, trocado. Renegado: Agora, sua paisagem havia mudado. Não era natural. Os rios já não pareciam cobras a deslizar, não havia mais solidão: Rotas de objetos voadores pousavam em todos os lugares, em todas as construções que haviam feito. Tanta podridão o enojava. Não era para ele. Abusavam de sua energia preciosa para realizar mais e mais atrocidades. Não que as atrocidades que eles cometiam lhe aborrecesse. De modo algum: Seria um favor que eles destruíssem uns aos outros, até não sobrar nada, pedra sobre pedra. Por que qualquer ser vivo que não o adorasse, que não percebesse o quão colossal e imponente ele era, não merecia nada além da morte. Então, ela veio. Ácida como um veneno, mas linda como uma amante. A Chuva não parava de cair um só momento. Cobriu tudo o que o Sol estava acostumado à ver durante sua existência. Toda a imundice estava sendo lavada até à sua alma corrompida. Tudo estava findando.
E então, aconteceu: Através de toda a acidez, o Sol viu a coisa mais bela de todos aqueles anos solitários. Ele viu, além de toda a água que caía sem parar, um enorme arco, quase um círculo perfeito de cores. As mais belas que havia visto. Nem de longe se assemelhava ao cinza das poluições humanas. E ele desejou tê-las para si. Aquilo precisava ser dele, e o Sol percebeu o quão egoísta fora todos os anos de sua vida. Como pôde ousar imaginar que a sua existência estava completa sozinho? Ele não conseguia mais lembrar-se de como conseguiu continuar sua eterna combustão sem aquele círculo de cor ao seu lado, nem conseguiu mias imaginar como seria sua vida sem ele.
Então, se aproximou das cores. Os respingo batiam em toda a sua extensão, e aquilo doía. Quanto mais se aprofundava, mais dor sentia. Mas elas não representavam muita coisa: ele estava perto daquelas cores hipnotizantes, amáveis, sedutoras. Tomou um último impulso e avançou. A dor foi excruciante, toda aquela água a queimar-lhe o próprio fogo. Então, a água virou uma garoa, e a garoa cessou. Seu corpo estava intacto - ainda queimava imponentemente, mas com a garoa foi-se o arco de luz. E ele estava novamente por si só.
Olhou para baixo: A devastação era completa. Toda a impureza havia sido corroída. Por que será que ele não se sentia mais tão imponente? Tão importante? Era ele um ser colossal, auto-suficiente, não deveria ser assim. E então, pela segunda vez em milênio, olhou-se novamente, e fez sua segunda auto-avaliação. Era mesmo colossal, imponente, abrasador e importante perto daquele fulgaz e indescritível círculo de cor?
E o sol percebeu que não poderia mais ser tudo o que um dia foi sem que aquele Arco-Íris fosse seu - por que quando a chuva se foi em garoa, levando o arco para longe de si, o arco levou um pouco dele junto. O gloriosos Sol estava incompleto.
Séculos passaram-se, e a chuva torrencial por vezes retornava. Com ela, a imagem bela. E, em todos esses raros momentos, o Sol se empenhava a alcançá-la. Mas sempre que tocava a grande cortina úmida, sua grandiosidade a fazia cessar, e o Arco-Íris levava cada vez mais uma parte dele.
E o Sol ficava cada vez mais incompleto, pois a cada investida, mais de si perdia, e mais dor era capaz de sentir. Mas ele não percebia isso. A imagem daquilo pelo qual estava apaixonado aliviava todos esses sentimentos. Até mesmo o fato de que ele nunca poderia possuir o que desejava, o que amava.
O tempo passou. Milênios. Mais do que se pode contar, mais do que se pode expressar. Deve ser o fim do mundo, pensou o Sol, pois ele não imaginava mais como aquele pequeníssimo globo que ele sempre iluminou resistiria à mais aquele chuva torrencial que estava caindo. Ele não ligava mais para as atrocidades dos seres que estavam sendo corroídos agora - eles já eram previsíveis - nem com as belas paisagens que também estavam sendo mortas agora injustamente. Ou se quer com o fato de nem um ser que raciocinasse lhe adorasse. Ele já não era mais o que costumava ser. Estava pequeno e não queria ser mais adorado. Há muitos milênio não queria mais ser adorado, mas adorava. Adorava aquele círculo colorido. Estava amando. Estava amando naquele instante, enquanto a Chuva caía, observava o imponente Arco-íris do outro lado. É agora ou nunca, pensou o Sol. E, como sempre fazia, avançou sobre a chuva, para tocar a beleza que ela guardava tão bem por tanto tempo.
Anormalmente, a dor o atingiu mais do que nunca. Sentiu-se diminuir, morrer, apagar. Sentia que cada combustão estava cansada de existir, que cada chama diminuía, junto com seu corpo um dia imponente. Não sentia mais a água lhe queimar, sentia tanto que não sentia mais nada. Estava deixando de existir.
E a última visão do Sol foi aquele Arco-íris que tanto amava, o objeto de sua paixão. Ele enfim estava próximo o suficiente para dizer suas última palavras: Eu toquei a verdadeira felicidade.
E, antes que pudesse dizer o quanto o amava e o quanto o agradecia por lhe fazer perceber que sozinho ele nunca tivera a felicidade plena, tudo escureceu.
[Fernando M. Minighiti][26.11.2011][13:13]
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