Lá pelas horas que antecedem a manhã, as respirações já estavam sincronizadas. Suspiros leves e espontâneos quebravam o ritmo, que logo era restabelecido. Até que a respiração fez cócegas na nuca mais baixa. Ele se mexeu de leve, passou as mãos no pescoço. Curvou mais a cabeça. As cócegas eram involuntárias, por isso mesmo irritantes, mas de um prazer inumano.
Abriu os olhos. Sentiu o cheiro de couro sintético, barato. O braço adormecido, privado de circulação, ele desdobrou e o deixou cair. Apoiava o outro sobre o lençol. Ainda sentia a respiração dele brincando-lhe na nuca, o peito inflando e murchando devagar às suas costas, sua mão repousando suavemente na sua lateral. Naquele momento ele era o ser mais leve.
Sentia a luz opaca da televisão o banhar. O som, quase inaudível, dizia que algum tipo de orquestra tocava. Ainda assim, ele não se virou. A música estava tão baixa que poderia estar saindo de seus pensamentos mais profundos, e aquilo estava agradável. As luzes dos eletrônicos piscavam freneticamente ao fundo. Tudo estava vivo e, ainda assim, muito silencioso, como que à espreita.
O braço voltou a circular, e ele pôde a superfície felpuda. Cada vez era uma sensação única. Sentiu, também, as cinturas que se tocavam e as pernas, que de tão enroladas tornavam-se um só corpo. Fechou os olhos e, por um instante, foi tudo: respiração, toque, música, luz.
Virou-se para o outro lado, lentamente. Sentiu o formato do travesseiro mudar. A mão escorreu de sua lateral, então ele a recolocou, pendendo agora até suas costas. E, de lá, deslizou sua própria mão pela outra mão, pelo braço. Subiu-lhe pelo ombro até descansar no peito branco que ainda movia-se lentamente. Tocou-lhe o maxilar curvo, sentiu-lhe a aspereza da barba.
Os lábios fechavam-se em botão. O nariz europeu, irritantemente simétrico, continuava a expelir o ar que o acordara. O viu com os olhos e com as mãos até que a música se tornasse insuportavelmente alta e um nó formasse dentro de si.
Ainda assim, tudo permanecia calmo enquanto ele o partia em pedaços e o escondia. Escondeu no peito, na cabeça, na boca. Fez do sangue dele o seu sangue, da sua carne, uma pele emprestada. Envolveu-o num abraço sangrento e desesperado, numa calma mortífera. Roubou-lhe a voz, roubou-lhe os medos.
Desfez-se.
O sol nasceu. Espreguiçou-se. Esticou o braço até vencer todo o colchão vazio e alcançar o couro barato. Não estava sozinho.
[Fernando M. Minighiti][09.02.2017][02:07]
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