sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Prosa tardia

Tenho prosa e poesia obstruídos. Recusaram-se a nascer, embora não se preocupam em negar suas existências. Já foram muito prematuros. Prosa e poesia espremem-se, comprimem-se e dividem o pequeno espaço com a certeza de que também deveria ter exprimido algo no aniversário do mundo. Ah, as ideias imortais, à prova de balas, deleitam-se em angústia, constituindo-a, inclusive. São o começo, o meio e o fim, o algoz e a vítima. Ora, se deleitam, por qual motivo deveria dar-lhes à luz?
Proseio agora, tardiamente. É que não sei bem a hora das coisas. Já soube; agora elas me escapam. Sei que é tarde, o corpo fatigado clama um repouso (que não virá), mas a poesia – ah, a poesia e sua irmã nunca descansam. Reviram-se no útero atrofiado, impõem-se. Sou apenas um mero fantoche.
Não sei bem o tempo das coisas, mas um dia já soube – acredite! De quanto tempo precisamos para que possamos, enfim, compreender o próprio tempo?
O mundo então se torna o que costumava ser. De quem, então, nasceu tal ironia? Torno-me, pois, esfera. Circular, deslizo pelo caminho, rolo; sou ciclo. Não há início, é uma uniformidade atemporal, mas tudo caminha para um fim – rendo-me, deslizo, circulo-me, circundo-me, de dentro para fora – PA! Estrepo na quina. Desde quando este mundo ficou tão quadrado? Onde reside a anomalia?
E, nas quinas, o passado intangível e o futuro invisível.  Prende-se a eles com todas as forças, mas o esforço da mutação parece ser tão... inútil. Por quais motivos deveria reverter a versões anteriores ou decodificar códigos que ainda não é possível ler? A resignação é mãe dos ciclos.
Deste útero doentio, donde a prosa e a poesia entediam-se, nascem as mais assombrosas aberrações. Sinto falta dos natimortos – pois quando eles nascem, ah, não há alma que escape. Eu realmente sinto falta dos natimortos. Que sensação mais fleumática pode haver? Conter o próprio caos em detrimento da assombrosa beleza do mundo. Deleito-me em mãos, punhos, corpos, olhos; escalo muros, trepo a macieira, provo do fruto proibido, doce, insuportavelmente doce como o fel. Toco o paraíso e ele é negro. O mundo é tão assombrosamente belo.
Até que os filhos clamam – e eles clamam. Escorre pelas quinas e envolvem-se numa esfera sem ponto de referência, o tudo e o nada, o sempre presente. O mundo sempre foi assim, e a resignação sempre será mãe dos ciclos, prima distante da paz (usa seu sobrenome), e irmã da apatia, apatia amarela, icterícia que aos poucos rouba-me as ações.
Proseio agora com a certeza de que irrito meus frutos. Cutuco a onça com vara curta, porque sempre fui bom nisso, muito bom; porque o útero já é negro. Posso sentir suas revoltas nesse exato momento. Anseiam por romper a placenta de lucidez e berrar a plenos pulmões “deixem-me viver!”, mas não! Não vêm? Proseio tardiamente.
Um dia, haverão de serem dados à luz mais negra que podem acalmá-los. Hoje, estou fazendo leite.


[Fernando M. Minighiti][04:45][06.01.17]


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