domingo, 9 de julho de 2017

Subjetividade. Duplicidade.

29 meses. 870 dias. 20.880 horas e um milhão e duzentos e cinquenta e dois minutos. Cem milhões e duzentos e vinte e quatro batimentos de coração. E tudo ainda é o mesmo.
Uma das principais críticas à arte contemporânea é a subjetividade. É difícil saber o que o escritor quer atingir. Mesmo que seja algo que ultrapasse as bordas do seu próprio corpo, tudo é, por essência, interno, singular. A chave da compreensão total, quando há, recai sobre ele mesmo, deixando o mundo à deriva, trancado do lado de fora de seus conceitos. Não ligo para isso. Como poderia ligar? Não sou poeta, não sou prosador. Não sou artista, e o que de mim é expresso, que poderia ser atribuído apenas e, ainda assim superestimada aspiração à arte não é nada além do que o retrato ou a transfiguração de uma dor intrínseca ao viver. Como, pois então, trazer sentido à dor? A dor é sem sentido, assim como a arte. Não me importo em muni-la de significado artístico refinado além, naturalmente, da própria dor.
Assim, concluo que tudo permanece em seu estado de duplicidade. Todas as 29 luas cheias ainda permanecem e, em breve, teremos a trigésima aparição. De fato, tornou-se impossível fitá-la por mais do que poucos segundos desde a de número zero – assim como as estrelas ofuscadas momentaneamente pela fumaça do cigarro. O brilho resplandecente torna-se uma afronta ao fato de hoje ser insuportável.
Tudo permanece porque tudo está germinado. Sementes gêmeas. E nunca haverá de nascer árvore mais frondosa e temível quanto a do fruto do meu amor e do meu ódio. Não há como suprimi-los. Eles coexistem e, sem alguma metade, tudo sucumbe. Entre os escombros, ruína também me tornarei. Assim, ao passo que o ódio acalma-se no âmago, banha o ser com sua escuridão opaca, um resquício tímido e dourado, ofuscante, de tamanho negrume avassalador, valsa lentamente no vácuo sensível.
E entre o soturno erudito, nino ao som da melodia da dupla existência. A natureza ambígua sangrou por tempo o suficiente para repousar para o balé agridoce das vivências, para aquilo que vagueia entre o adorável e o inconcebível, entre as luzes e as trevas, a vida e a morte, ente o tênue espaço das duas faces horrendas do dançarino siamês que não pode mais ser fragmentado. E ali, nele vão ínfimo, a mais pura beleza da resignação.
Porque é ali, na linha tênue entre a dor e o prazer que chamamos vida, que tudo ainda consegue permanecer. Não sou ninguém para desbalancear o equilíbrio frágil da existência renegando o veneno concentrado, fermentado do meu ódio. Assim sendo, é impossível negar o fino fio de ouro que insiste em ser a munição de uma guerra sem fim. Sem sentido.
Depois de 871 dias, tudo permanece. A trigésima lua cheia está para nascer, e dessa vez não erguerei meus olhos para as estrelas.


[Fernando M. Minighiti] [07.07.2017] [16:49]





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