Sempre fui da opinião que a morte é um mistério insolúvel, um momento de agonia tremenda. Não sou do tipo religioso. Não acredito em vida após a morte, ou que um tal criador venha ao meu encontro. Por outro lado, nunca consegui aceitar o fato de que um dia meu sangue deixará de transportar oxigênio, matando cada órgão e "pronto, sua vida acabou". Isso soa um tanto... simplista demais - na minha opinião.
A vida, às vezes, parece colorida demais para que tudo finde na escuridão de um sono eterno. Deve haver algum sentido maior do que viver apenas para, com todo o respeito, terminar por ser adubo para as árvores dos cemitérios (dizem que elas são as mais frondosas, as dos cemitérios).
Por muito tempo não compreendia o fato do sermos obrigados a um dia viver essa experiência tão incerta e solitária. Teremos que enfrentar tudo sozinhos.
Mas, em umas pesquisas que andei fazendo, pude verificar que a morte não é o único momento em que - possivelmente - sofreremos sozinhos. Nela, descobri que os bebês sofrem tanto quanto, e igualmente solitários.
Tudo começa quando as contrações do útero empurram o pobrezinho para baixo. Depois de nove meses recebendo alimento e oxigênio pelo cordão umbilical que o liga com a mãe (pesquisas recentes dizem que é possível que o bebê até mesmo sorria dentro do útero: ele está num ambiente confortável, não sente fome nem frio e é embalado constantemente pelo ritmo cardíaco da gestante), ele não tem escolha: o oxigênio enviado pelo cordão umbilical é gradualmente reduzido. Logo estará na hora de sair dali, e não poderá levar nada consigo.
O bebê, então, nasce, e eis que logo a primeira experiência do bebê neste mundo é traumática: além de estar todo coberto de vérnix (uma substância gordurosa), o sistema respiratório precisa começar a funcionar, uma vez que dentro do útero a respiração era através da corrente sanguínea. Para tanto, o bebê força os pulmões a se dilatarem, engolindo golfadas de oxigênio pela primeira vez, que chega aos pulmões cheio de líquido amniótico - o que faz com que ele abra o berreiro.
Depois que o (sádico) médico constata o choro como uma boa notícia, ele rompe tudo aquilo que restava da união mãe/filho: o cordão umbilical. Agora, o bebê sentirá o frio da sala de cirurgia, e terá que aprender a queimar calorias para se aquecer. Suas células em frenesi precisam urgentemente aprender a deglutir e digerir o leite materno que em breve receberá. Os olhos permanecerão algum tempo fechados, até acostumarem-se com as luzes agressivas desse mundo. É um momento tenso
E, depois de todo esse tumulto, ele é dado para a mãe novamente. Dessa vez, nos braços.
Sim, nós sofremos - e muito - ao nascer.
Sair do útero e partir desta vida são experiências traumáticas que somos obrigados a enfrentar por nossa própria conta. De ambas não temos escapatória, assim como desejamos, inutilmente, não vivenciá-las.
Desse modo, a raça humana talvez seja, então, apenas uma raça carente, ressentida, que tem como único propósito de vida, mesmo que inconscientemente, a busca por um outro pequeno útero para que possa se aconchegar livre dos medos e dos perigos que o assombraram ao nascer. Encontramos esse pequeno útero, talvez, nos laços que fazemos ao decorrer da vida, sejam eles quais forem.
Talvez se encararmos cada situação ruim como um pequeno nascimento - o que não é nada além de um outro ponto de vista de uma pequena morte - saberemos que essa dor é inevitável e essencial, assim como esses dois eventos. Cabe apenas a nós mesmos aprendermos a ter força de vontade o suficiente para nos estabilizar. E sejamos sinceros: para quem sobreviveu a uma experiência tão traumática como o momento do próprio nascimento, isso é moleza.
[Fernando M. Minighiti][21.01.2014][01:48]
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