quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Ratos e amigos

Quem você pensa que é? Você acha que você é a pessoa mais importante no mundo, ou a mais original? A cereja solitária que decora o glacê do bolo? Você acha que está sentada em um trono, imponente, e que todos os seus súditos são ratos que lhe devem reverência e adoração? Desculpe. Eu realmente lamento, mas você e nem ninguém chega perto de nada disso. Pelo menos ninguém deveria. Sentindo-se vazia ao descobrir isso? Não se preocupe, não. Eu posso lhe dizer quem você é. Você é uma pessoa arrogante e egoísta. De fato, acha que seus "amigos" devem-lhe devoções eternas, os que não o são, não passam de ratos de esgoto. Ao mesmo tempo, pode ser muito amável. Você é uma pessoa doente, também. É alguém que, de tão tímida, criou um casulo impenetrável ao qual só você tem acesso. E não há nada e nem ninguém que a faça sair daí. É alguém com um nível tão elevado de complexidade que nem aos seus próprios olhos você faz sentido. Mas consegue ser carente. Não consegue manter muitas amizades verdadeiras ao longo da vida e, quando consegue uma, a quer só para si, 24 horas por dia. Por isso mesmo, é possessiva. E, para manter essas pessoas perto, usa de todos os artifícios: chantagem emocional, drogas lícitas (e ilícitas também), álcool, música, livros, festas, até mesmo brigas. Esforça-se, e até se prejudica para estar, mesmo que apenas no seu imaginário, num patamar descolado, alternativo. E o critério para separar amigos de ratos é justamente quem segue ou não esses parâmetros, muitas vezes absurdos. Por outro lado, é uma pessoa inteligente, com um potencial tão grande guardado dentro de si. Um desperdício, claro, pois está tão bem guardado que é inutilizado. Guarda muito orgulho dentro de si. Quando acha que perdeu alguém, por mais equivocada que possa estar, ainda sim usa de sua arma secreta - chantagem emocional -, como uma cigana hipnotiza um homem, e nada a faz voltar atrás. É aí que todos devem correr até você. Caso contrário, serão ratos, e apenas ratos - mesmo que já tenham sido amigos fiéis por longos anos. É alguém que não sabe quão agradável é quando não se esforça em ser legal. É alguém que se odeia. E, por fim, é alguém que nunca aceita um erro. Sua vontade é soberana e seus princípios são sempre corretos. O que você acha é sempre verdade. O que, claro, é um grande engano da sua parte, e que posso provar: sabe aquele isqueiro que você jura que perdeu? Então. Na verdade, eu o roubei.

[Fernando M. Minighiti][29.01.2014][23:24]


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

(uma tentativa de) Crônica sobre a vida e a morte


Sempre fui da opinião que a morte é um mistério insolúvel, um momento de agonia tremenda. Não sou do tipo religioso. Não acredito em vida após a morte, ou que um tal criador venha ao meu encontro. Por outro lado, nunca consegui aceitar o fato de que um dia meu sangue deixará de transportar oxigênio, matando cada órgão e "pronto, sua vida acabou". Isso soa um tanto... simplista demais - na minha opinião.
A vida, às vezes, parece colorida demais para que tudo finde na escuridão de um sono eterno. Deve haver algum sentido maior do que viver apenas para, com todo o respeito, terminar por ser adubo para as árvores dos cemitérios (dizem que elas são as mais frondosas, as dos cemitérios).
Por muito tempo não compreendia o fato do sermos obrigados a um dia viver essa experiência tão incerta e solitária. Teremos que enfrentar tudo sozinhos. 
Mas, em umas pesquisas que andei fazendo, pude verificar que a morte não é o único momento em que - possivelmente - sofreremos sozinhos. Nela, descobri que os bebês sofrem tanto quanto, e igualmente solitários.
Tudo começa quando as contrações do útero empurram o pobrezinho para baixo. Depois de nove meses recebendo alimento e oxigênio pelo cordão umbilical que o liga com a mãe (pesquisas recentes dizem que é possível que o bebê até mesmo sorria dentro do útero: ele está num ambiente confortável, não sente fome nem frio e é embalado constantemente pelo ritmo cardíaco da gestante), ele não tem escolha: o oxigênio enviado pelo cordão umbilical é gradualmente reduzido. Logo estará na hora de sair dali, e não poderá levar nada consigo. 
O bebê, então, nasce, e eis que logo a primeira experiência do bebê neste mundo é traumática: além de estar todo coberto de vérnix (uma substância gordurosa), o sistema respiratório precisa começar a funcionar, uma vez que dentro do útero a respiração era através da corrente sanguínea. Para tanto, o bebê força os pulmões a se dilatarem, engolindo golfadas de oxigênio pela primeira vez, que chega aos pulmões cheio de líquido amniótico - o que faz com que ele abra o berreiro. 
Depois que o (sádico) médico constata o choro como uma boa notícia, ele rompe tudo aquilo que restava da união mãe/filho: o cordão umbilical. Agora, o bebê sentirá o frio da sala de cirurgia, e terá que aprender a queimar calorias para se aquecer. Suas células em frenesi precisam urgentemente aprender a deglutir e digerir o leite materno que em breve receberá. Os olhos permanecerão algum tempo fechados, até acostumarem-se com as luzes agressivas desse mundo. É um momento tenso
E, depois de todo esse tumulto, ele é dado para a mãe novamente. Dessa vez, nos braços.  
Sim, nós sofremos - e muito - ao nascer.
Sair do útero e partir desta vida são experiências traumáticas que somos obrigados a enfrentar por nossa própria conta. De ambas não temos escapatória, assim como desejamos, inutilmente, não vivenciá-las.
Desse modo, a raça humana talvez seja, então, apenas uma raça carente, ressentida, que tem como único propósito de vida, mesmo que inconscientemente, a busca por um outro pequeno útero para que possa se aconchegar livre dos medos e dos perigos que o assombraram ao nascer. Encontramos esse pequeno útero, talvez, nos laços que fazemos ao decorrer da vida, sejam eles quais forem. 
Talvez se encararmos cada situação ruim como um pequeno nascimento - o que não é nada além de um outro ponto de vista de uma pequena morte - saberemos que essa dor é inevitável e essencial, assim como esses dois eventos. Cabe apenas a nós mesmos aprendermos a ter força de vontade o suficiente para nos estabilizar. E sejamos sinceros: para quem sobreviveu a uma experiência tão traumática como o momento do próprio nascimento, isso é moleza.

[Fernando M. Minighiti][21.01.2014][01:48]